Viagens, culturas, aventuras, montanhas, escaladas, trilhas, fotografia e filmes da natureza.

“Para viajar basta existir. ... Fernando Pessoa

8 de abril de 2010

Tazara, o desafio

Viajar independente por alguns países da África não é uma tarefa fácil.
Cansada de carregar minha "pequena" mochila para cima e para baixo, trocar de van, minibus, chapa, dalla-dalla, combi ou o transporte que aparece pela frente, optei pelo trem Tazara que viaja entre a Tanzânia e Zâmbia.
Teoricamente a viagem dura 40 horas, tem saídas as terças e sextas-feiras, às 15:30 e 15:00h. Primeira e segunda classes tem camas no compartimento. A terceira classe, assentos. Homens e mulheres só podem viajar na mesma cabine se reservarem o compartimento inteiro.
Comprei minha passagem para terça-feira na segunda classe.
Com $hilling$ da Tanzânia contados, peguei um ônibus coletivo lotado, no meio de uma chuva, com minha mochilona e a mochilinha. Pingava de suor, a umidade do ar de Dar Es Salaam já é alta, com chuva...
Chegando na estação de trem o sol já ardia de novo, as pessoas na rua começaram a me alertar: - não há trem hoje, só amanhã.
Na portaria a informação se confirma: "o trem vai partir quarta-feira, às 18:00h. Houve um acidente e o trem só chega amanhã."
Voltei para o centro da cidade desapontada, acreditando que o trem ainda seria a melhor opção, mesmo com um dia de espera.
Dia seguinte, as pessoas se aglomeravam em frente à estação. 18:00h e nada. As pessoas começaram a se agitar. Mensagem de voz no auto-falante: - ...tivemos um pequeno atraso e o trem partirá as 21:00h, agradecemos a compreensão.
Após suspiros e reclamações gerais, voltamos a esperar.
Com 27 horas de atraso, embarcamos nos vagões. Ao entrar no meu compartimento, vários pacotes dominavam os bancos. O carimbo TZR indicava que pertenciam a companhia. Tentaram me colocar em uma cabine além de lotada, os filhos acompanhavam as mães. Tentei mudar de classe, não havia lugar. Encontraram um compartimento vazio e me colocaram lá. Ocupei o espaço pelo resto da viagem, ou pelo menos até onde tinha esperança de terminar a viagem.
Uma vez o trem em movimento, seguiu normalmente com paradas no meio do nada, desembarcando mais pessoas que embarcando. Acredito que somente pessoas sem opção do onibus ainda esperavam pelo trem. Após 24 horas de viagem e uma noite mal dormida com mosquitos e solavancos, o trem chega em Mbeya, metade do caminho. Nos informaram que devido ao acidente, teríamos um trecho que faríamos em ônibus, embarcando novamente no trem do outro lado. Detalhe: o trem não estava lá ainda. Prazo: amanhã 9:00h. Consequência: segunda noite no trem. Ocorrências: com o trem parado, além dos mosquitos, baratas apareciam por todos os lados. Resultado: segunda noite mal dormida.
Amanheceu. Perto do horário informado, recebemos a nova promessa: 19:00h e sem garantias. Uma mulher gentilmente me alertou que ela e mais algumas pessoas estavam desistindo do trem. Foi a deixa. Peguei minhas mochilas, alertei os coreanos que resolveram seguir viagem comigo. O trem já estava quase vazio...
Uma vez na estrada, a viagem seguiu. Embarcamos em um micro-ônibus até a fronteira e em Nakonde, já em Zâmbia, haviam vários ônibus para Lusaka. Depois de lotarem o compartimento de bagagem, colocarem o resto da carga nos bancos do fundo e no corredor, nosso ônibus partiu no final da tarde com um certo atraso. Eu achava que não cabia mais nada, ainda mais depois de testemunhar o método zambiano de fazer caber os sacos cheios de não-sei-o-quê dentro do bagageiro: se não pulando em cima dos sacos, chutando a porta do bagageiro para poder fechar. No meio da noite o ônibus parou no meio da estrada. Pessoas apareceram da escuridão e todos começaram a tentar entrar no ônibus com suas bagagens.
O ônibus do dia anterior havia quebrado e as pessoas estavam há uma noite e um dia inteiro esperando no meio da estrada. Umas dez pessoas conseguiram entrar e se alojar sobre as cargas no corredor e nos bancos do fundo. Uma mulher reclamava que deveriam ter enviado outro ônibus para eles, no mínimo. Alguns ainda ficaram na estrada. Sem mais ocorrências, chegamos em Lusaka amanhecendo. Ainda tive coragem para pegar um outro ônibus para Livingstone, mais 7 horas sacolejando na estrada em reforma, assento número 67. Como isso é possível? Era um dos ônibus com assentos compactos, uma fileira de dois lugares, um corredor apertado e na outra três lugares.
Quatro dias depois, um dia de atraso e três de viagem, duas noites no trem e uma no ônibus, cheguei ao meu destino na Zâmbia.

Obs: Há pessoas que viajaram de trem e ocorreu tudo bem. A linha atravessa o Selous Game Reserve e muitos vêem animais da janela do trem, como um bônus safari. Mas acredite, quando as coisas não estão boas, lembre-se que tudo pode piorar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário