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“Para viajar basta existir. ... Fernando Pessoa

18 de agosto de 2010

O Frio, o Vento e a Nevasca

Planejava escalar o Ishinca, acordei as 2 horas da manha, abri os zíperes da barraca e nao gostei nada do que vi. As montanhas estavam com nuvens no meio da noite o que nao era bom sinal.

Normalmente, na temporada, a noite permanece limpa, cheia de estrelas ou iluminada pelo luar com o eterno frio intenso de altitude. Durante o dia, as nuvens comecam a aparecer na metade da manha e desaparecem no final da tarde, isso quando elas insistem em aparecer.

Voltei a dormir.

Acordei pela manha e uma sueca me disse que poderia subir o Urus durante o dia. Coloquei as botas, peguei o kit ataque com comida e água, e parti.


Flores a 5000m de altitude

A Quebrada Ishinca abriga o acampamento base para montanhas como Urus e Ishinca que podem ser feitas em um dia e Tocllaraju e Ranrapalca com um nível de dificuldade superior.


Quebradas sao vales, utilizados para a aproximacao das rotas de escaladas ou para caminhadas como Quebrada Santa Cruz, vale da famosa caminhada homônima.

Urus Leste 5420m



A subida é bem íngreme por uma aresta da montanha. Após uma hora, alcancei dois eslovenos: Miha e Anze. Eles faziam a ascensao ao Urus para aclimatacao, como muitos. Eu, porque era melhor do que nao fazer nada...

Subimos por mais algumas horas para finalmente alcancarmos um misto de neve e rochas.
Colocamos os crampons e os trechos foram se intercalando: neve - rocha - neve, até alcancar a fase final de pura rocha.



Cinco horas de subida do acampamento base (seis para os eslovenos), chegamos ao cume com o tempo totalmente encoberto.




Tocllaraju 6032m

Conheci um ucraniano, Serguei ou Sergio para as línguas latinas, e resolvi amenizar as despesas dele com o guia que havia contratado para escalar o Tocllaraju.
A montanha é linda, piramidal com uma cornisa enorme em seu cume.

Arrumei a mochila para dois dias e partimos tranquilamente as dez horas da manha.



A subida comeca beirando o rio que desce da glaciar do Tocllaraju, depois a trilha vira para a esquerda por um zigue e zague morena acima. Quanto mais subimos, maiores as pedras se tornam e o equilíbrio usando as botas rígidas de plástico é fundamental.
Caminhamos por tres horas e meia desde o acampamento base para chegar no acampamento morena.



Sergio preferiu acampar ali mesmo, o que acabou sendo uma boa decisao. Um grupo continuou a caminhada em direcao a um acampamento superior distante a menos de uma hora glaciar acima.
Descansamos, comemos, tiramos fotos e finalizamos a mamata com um delicioso chá marroquino que Sergio tinha trazido na bagagem.



Eu, com receio da montanha e por acampar um pouco mais baixo, sugeri para sairmos um pouco mais cedo, a 1 hora da manha. Nao era mais uma escalada básica, o Tocllaraju tem um nível de dificuldade classificado como D, devido a sua piramide final.


Comecamos a escalada por rampas cuja inclinacao fica em torno dos 40 graus. Cruzamos e saltamos gretas sem enxergar o perigo que passávamos. No meio do caminho há uma parede de uns cinco metros com inclinacao de 70 graus, para alcancá-la passei um sufoco... A fissura abaixo sem fim deixa qualquer um tenso. Essa hora, meus dedos congelaram e na volta de circulacao do sangue, chorei de dor.
As subidas foram intermináveis, parando apenas para recuperar a respiracao. De repente... um estrondo! Avalanche! Parece que ocorreu um pouco mais atrás, nao dava para saber ao certo com a escuridao. Um pouco mais acima... De novo! Dessa vez ao nosso lado, com certeza!
Chegamos na piramide final amanhecendo. Com inclinacao em torno dos 50-60 graus foram uns vinte metros escalando com meu piolet de marcha.



Chegamos ao cume com vista limpa para os nevados Copa, Huascaran, Chopicalqui entre outros. O vento e o frio nao deixou que ficássemos muito tempo apesar de sermos os únicos que chegaram ali naquele dia.



Na descida, a tormenta. Um vento tao forte que me derrubou duas vezes durante a caminhada de volta! Chamuscando de neve nossos míseros corpos, congelando os ossos, descemos a montanha nessa nevasca intermitente.

Agradeci ao chegar no acampamento morena, apesar do meu nariz congestionar totalmente. Parecia que estava em um sistema de descongelamento. Voltamos para o acampamento base e no dia seguinte para Huaraz, onde passei os dias me recuperando do episódio.

1 de agosto de 2010

Pisco Oeste 5750m


Uma montanha com uma vista incrível de seu cume se nao a melhor da regiao. É rodeada por nada menos que seis picos acima dos 6000 metros. Considerado um nivel de dificuldade de escalada basico, com seus 5750 metros de altitude nao devemos subestimar e deixar de ter cuidados principalmente quanto a aclimataçao e preparo físico.



Cebollapampa é o ponto de partida, fica na estrada que corta a Cordilheira Blanca pelos vilarejos de Yungay, Vaqueria e Yanama, após as lagoas de Llanganuco.
Há collectivos que circulam entre Huaraz e Yungay. De lá seguem taxis pela estrada empoeirada. Há um onibus diário pela empresa El Veloz que faz o trajeto por completo partindo de Huaraz em direçao a Yanama. Optei pelo transporte privado pois sao varias empresas que fazem o trajeto por estar no mesmo ponto de partida para uma caminhada a "Laguna 69".


Dividi um "arrieiro" e um burro com alguns gregos para ajudar a levar o peso para o acampamento base. Eles viriam a ser meus companheiros nessa escalada.

A caminhada começa aos 3900m de Cebollapampa no primeiro dia, subindo por cerca de tres horas ate o acampamento base aos 4600m. Algumas pessoas optam por atacar o cume dai mesmo. É uma opçao para diminuir os dias na montanha, porém prolonga a jornada do dia mais pesado. Como nao tinha pressa, resolvi seguir a programacao dos gregos mais tranquila.


No segundo dia há uma breve subida para alcançar e atravessar os grandes blocos de rochas deslizantes que restaram após a retraçao da geleira conhecida como morena. Foram quase tres horas para atravessar esse rio de pedras e alcancar a parede do outro lado que represa uma lagoa verde esmeralda. Fizemos uma pausa para admirar a beleza que a altitude nos proporciona. O cume do Pisco triangular com suas geleiras cortadas em sua base, ceu azul e sol ardente fazendo a neve brilhar ainda mais. Um pouco mais acima chegamos ao acampamento morena a 4900m. Ha uma fonte de água que desce direto da geleira, temos o cuidado de armazena-la no dia anterior pois a fonte congela durante a noite.
No dia do ataque ao cume acordamos as 2:00am, varios grupos se preparavam para sair. Fomos os ultimos partindo as 3:30am. Apos uns quarenta minutos de rochas, chegamos a geleira sob a luz do luar.


Cruzamos a geleira por algumas fissuras e chegamos ao colo a 5300m. Nesse trecho pudemos apreciar os picos nevados do outro lado: Artensonraju, Santa Cruz, ate o Alpamayo foi possivel admirar conforme foi amanhecendo o dia. O sol iluminou laranja o maior pico do Huandoy. O vento comecou a castigar com a chegada da manha e viamos os grupos como formigas ascendendo a grande rampa branca para o cume.


No ultimo trecho ha uma subida de uns 15 metros com uma inclinacao um pouco mais acentuada em torno dos 40 graus. Terminada a rampa final, apos 5 horas de escalada do acampamento morena... uma vista belissima da Cordilheira Blanca.