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“Para viajar basta existir. ... Fernando Pessoa

20 de setembro de 2010

A Grande Escalada - O Alpamayo pela francesa direta

- Que montanha você quer de presente? Um amigo me pergunta no meu aniversário.
Respondi: - O Alpamayo!


A bela face do Alpamayo

Um belo presente: uma parede trapezoidal de 700 metros de altura desde sua base, repleta de corredores e flautas com inclinaçao de até 90º. A rota mais popular, a ferrari, está fechada por perigo de quedas de seracs. A única opçao com um nível de dificuldade maior é a francesa direta. Fechamos um grupo internacional: Miha, esloveno, e o francês Yann.


Entrada do vale Santa Cruz

Após um dia de compras em Huaraz, partimos em um dos colectivos e contratamos burros em Cashapampa. Os dois primeiros dias sao tranquilos, aumentando a altitude lentamente pelo vale Santa Cruz. A vegetaçao muda das árvores aos espinhosos cactos, das cachoeiras a plácidos lagos, sempre beirando o rio.

No acampamento base fizemos os preparativos para a escalada. Levaríamos somente o essencial, apesar de ser quase tudo. Há grupos que fazem um acampamento intermediário antes de do glaciar, o morena. Nosso plano era alcançar o acampamento glaciar em apenas um dia atravessando o colo a 5400m, sao mais de mil metros de desnível com a mochila pesada pelos equipamentos de escalada, barraca e comida para alguns dias.

A subida do acampamento base para o glaciar foi dura, mais de sete horas parede acima. Chegamos no colo mortos de cansaço, mas a visao extasiante da parede substituiu qualquer sentimento no primeiro momento. No segundo, o temor tomou conta dos meus pensamentos.

Havia uma barraca um pouco abaixo do colo, onde resolvemos acampar. A barraca era de uns poloneses que retornavam de uma tentativa do Quitaraju. Armamos a barraca a 5.300 metros e preparamos água e comida. Havia algumas nuvens e torcia baixinho para que o tempo permanecesse fechado.
As duas horas da manha o alarme começa a disparar. Miha saiu da barraca e esperei o veredito, para confirmar meus temores o céu estava estrelado e escutei: - vamos escalar!

Para alcançar o "bergschrund", a primeira grande greta, subimos por uma neve fofa. Miha acabou deixando Yann guiar levando as duas pontas das cordas. Miha foi em seguida, na minha vez... Travei um tempo com uma perna de cada lado da fenda mas consegui subir para a parede. Quando ainda me recuperava para continuar, senti umas puxadas. Devo ter demorado um bocado, pois quando ainda tentava subir, os meninos me puxaram para cima.
De lá, foram cordadas intermináveis corredor acima. O gelo estava bom para escalar. Amanheceu perto da quinta cordada colorindo o horizonte e iluminando os picos ao redor. Avistamos os pontos escuros das barracas no acampamento.



O cansaço e a inclinação aumentavam conforme o tempo ia passando. Meu pescoço tombava cada vez mais para trás para ver Yann escalando. Estávamos perto do fim quando as piquetas começaram a ter dificuldade para firmar: gelo duro. Parece que foi nesse ponto que um argentino escalando solo caiu, rolando para a morte canaleta abaixo duas semanas atrás.



Na última parte não víamos mais o fim. Miha, que dava segurança a Yann, sentiu a corda correr mais rápido e disse: ele chegou.
Escalamos até o coração vir na boca, era o último esforço. Enfim, recuperamos o fôlego ao lado de Yann que já sorria. Cume!


Foram seis horas de escalada. As nuvens começaram a dominar o espaço e tínhamos janelas de vistas intermitentes. Curtimos o cume estreito e ondulado formado por cornisas.



A descida foram séries de rapel. Cansados, chegamos no acampamento e desabamos. Cozinhei macarrao instantâneo com chorizo que foi devorado. Mesmo sem muitas forças, resolvemos descer a passar mais uma noite gelada no glaciar. No final da tarde chegávamos ao acampamento base nem tanto saos, mas salvos.

As Tentativas

El Huascarán Sur


Huascarán Sul e seu "Escudo"


A montanha mais alta do Peru. Conhecida por suas avalanches, a última maior causou uma morte em junho desse ano. Mesmo com os alertas, enfrentaríamos a montanha pela rota do Escudo e em um cronograma ambicioso de 4 dias.
A rota normal nao é técnica, mas a travessia do acampamento 1 para o 2 é toda uma zona de avalanches. A rota do Escudo passa por um trecho mais curto de risco de avalanches, em contrapartida tem que superar uma parede com mais de 600 metros em forma de triângulo. O desnível é descomunal de quase 3800 metros no total raz, montanha, India, a ser superado em poucos dias.

Formiga humana nas rochas do Huascaran

Tentamos controlar o peso da mochila, como se isso fosse possível. Depois de uma van, táxi e burros carregando o peso até o acampamento base, carregar a mochila nas costas foi um martírio.
Carregava uma corda, meu parceiro de escalada, o francês Yann, carregava outra além de outros equipamentos como parafusos e estacas de gelo. Anze e o outro esloveno iriam solo.

Yann na subida para o acampamento morena

Escondemos nossas botas e as papetes do esloveno que usamos para subir da vila de Musho para o acampamento base. A subida para o acampamento morena foi dura com as botas de plástico pelas rochas escorregadias, mas às duas horas da tarde já estávamos no Refúgio. Mario, um rapaz quieto e ambiçoes gastronômicas, tomava conta do lugar. Descansamos a tarde inteira, sob um sol relaxante a 4670 metros de altitude.

Relax no Refugio Huascarán

Dormimos cedo para acordar cedo, de madrugada. Levantamos as duas horas da manha e saímos um pouco depois. Trocamos o dia pela noite para diminuir os riscos de avalanche. Yann já estava preocupado e nao parava de comentar como estava "quente". Realmente, até eu, friorenta de carteirinha, senti que nao estava tao frio como geralmente é na madrugada. Talvez seja pelo fato que a rota fica voltada para a face do enorme vale, o mesmo que situa Huaraz, Caraz e Yungay. Era lua cheia, nem precisávamos das lanternas. Os dois eslovenos iam aumentando a distância, Yann de tempos em tempos me esperava. Eslovenos sao famosos montanhistas, Anze já tinha escalado o Artensonraju e Chopicalqui solo. O outro esloveno tinha mais experiência ainda. Pouco depois de uma hora seguindo os totens, Yann começou a sentir dor de barriga literalmente.
Ainda tentamos subir por mais uns minutos, mas foi o fim. Sem argumentos, voltamos para o Refúgio. Os eslovenos desapareceram na imensidao das rochas.

Acordei tarde com um falatório. Um cliente e um ajudante voltaram entre a caminhada do acampamento 1 e 2. O cliente estava exausto, dormiria no acampamento base. O ajudante voltaria para o acampamento 2 na madrugada.
A descida além de monótona agora teve um sabor de derrota...

Chopicalqui

O belo Chopicalqui pela manha

Ainda me recuperava da tentativa do Huascarán quando consultei a previsao do tempo. Teria dois dias de tempo bom e em seguida, esperado porém um pouco mais cedo que o previsto, iria ocorrer: chuvas.
Sozinha, resolvi arriscar. Parti para o Chopicalqui, montanha de 6354 metros de altitude.
Peguei o ônibus que faz o trajeto Huaraz-Yanama, desceria em umas das curvas do começo do zigue e zague da estrada de subida.

Estrada em zigue e zague

O ônibus fez uma parada onde servem o prato típico da regiao: picante de cuy. Dizem que é muito gostoso, nao tive o prazer (coragem) de experimentar...

Picante de cuy ou trucha frita?

O motorista me deixou onde na entrada da trilha e comecei a caminhar em direçao ao fundo do vale. Após uma meia hora cruzo com o acampamento base onde havia um grupo que começava a se mobilizar.
A subida para o acampamento morena leva umas quatro horas, caminha por uma crista, atravessa-se os blocos de rocha e sobe morro acima. Esse trecho é tranquilo, o grave vem depois.

Acampamento do glaciar e gretas

Para o acampamento superior há algumas pontes de dar medo. As gretas estao abrindo, às vezes é necessário encontrar um a outra opçao pois o caminho original nao é mais possível atravessar.
No dia do ataque ao cume segui pela madrugada até visualizar em uma pirâmide toda entrecortada por gretas imensas. Achei arriscado continuar sem segurança e assim retornei perto dos 6000 metros de altitude.

A dura escalada do Chopicalqui

No começo senti frustraçao de nao ter alcançado o cume de duas lindas escaladas. Depois percebi que nada é em vao. Ganhei lindas vistas e muitas fotografias para a memória, a minha e da câmera.

Passatempo na barraca

Pôr do sol na Cordilheira Blanca

Penitentes do Chopicalqui

1 de setembro de 2010

A Linda Vista da Cordilheira Blanca


Tinha alguns dias para a tentativa do grande Huascaran, ao invés de pastar em Huaraz arrumei minha mochila e parti para uma montanha nos arredores chamada Vallunaraju.
Nao tinha perspectivas, acabou sendo uma bela surpresa de uma das vistas mais bonitas da Cordilheira Blanca.

Peguei uma carona em uma van que iria buscar um grupo do AndreanKingdom no acampamento base. No posto de controle o guarda verificou que meu passaporte havia vencido e paguei meu segundo ingresso para o Parque Huascaran, válido por mais um mês.

A subida já começa empinada, por uma fenda da grande formaçao rochosa. Cruzo com Zé Carlos e Alessandro, dois amigos paulistas que me avisam que a subida é forte, mas depois ameniza.
A mochila estava pesada com as botas de plástico dentro, preço de caminhar confortavelmente com as botas de couro.
Depois de pouco mais de duas horas, as barracas do acampamento aparecem em pequenos platôs. Por ser uma montanha próxima a Huaraz facilitando a logística, é bastante popular.
Encontro com Wanderlei, outro brasileiro que havia conhecido em outra Quebrada, literalmente, e seu guia Marco. Acabei me unindo a eles nessa escalada.
O pôr do sol de frente para o vale foi lindo com as cores gradualmente se esvaecendo, anunciando o que estava por vir.


Partimos as três horas da manha observando as estrelas cadentes que riscavam o céu. Amanheceu e o azul permaneceu limpo iluminando laranja os picos do Huascaran à esquerda e o belo Huantsan à direita da nossa rampa para o cume.



Perto das nove horas da manha caminhávamos no aclive final. A curvatura do cume foi se abaixando revelando a vista fantástica da Cordilheira Blanca. Por estar afastada da linha central, mais próximo ao vale de Huaraz, Vallunaraju tem uma vista privilegiada tal qual também a sorte de ter um dia com o céu tao limpo.


Descemos para o acampamento, desmontamos barracas e no final da tarde regressávamos para Huaraz.
Dois dias, ida e volta para Huaraz proporcionou uma escalada tranquila e uma vista espetacular dos picos nevados.