Viagens, culturas, aventuras, montanhas, escaladas, trilhas, fotografia e filmes da natureza.

“Para viajar basta existir. ... Fernando Pessoa

30 de outubro de 2010

Chimborazo

Chimborazo é o mais alto vulcão do Equador com uma altura de 6.267 metros acima do nível do mar. Devido à sua localização próxima à linha do Equador, o maior diâmetro terrestre, atribui-se ao seu cume também a fama de ser o ponto mais distante do núcleo do planeta.



Quando buscava informações do roteiro em uma agência, o israelense Amir apareceu interessado na escalada. Tentei convencê-lo a irmos por conta própria enquanto ele tentava me convencer a dividir os custos de uma expedição. Uma expedição custa US$170 por pessoa se forem duas pessoas, $280 para uma pessoa. Chegamos um meio-termo contratando um guia por US$100. Amir alugou o equipamento, e dividimos os custos com o transporte ($40 ida e volta) e comida.

Na manhã do dia seguinte partimos em um táxi comum, as mochilas estavam pequenas. Após uma hora e meia de viagem passamos pelo portão de entrada do Parque sob os olhares das vicunhas que vivem na base do Chimborazo.




Estacionamos ao lado do Refúgio Carrel a 4800m, já era possível ver o outro refúgio a algumas centenas de metros. Tomamos um chá para esquentar e trocamos os calçados pelas botas plásticas.

Atrás do refúgio havia placas em homenagem à pessoas que deixaram sua vida aqui.



Uma família nos acompanhou até o segundo refúgio e ríamos da nossa incapacidade pulmonar sob o ar rarefeito. Não deu uma hora de caminhada em um ritmo lento para tentar acalmar a respiração ofegante.



Nos acomodamos no Refúgio Whymper a 5000m equipado com cozinha completa, um grande refeitório e quartos com beliches. Estávamos nós três, eu, Amir e o guia Rafael e cerca de trinta militares que terminavam um curso com a escalada ao Chimborazo.



Às 22:30h o relógio tocou. Nos equipamos, tomamos um chá e partimos logo depois do pelotão. O céu estava estrelado e seguimos a fileira de luzes das lanternas dos militares. A terra antes misturada à neve foi desaparecendo até ser coberta por completo e a temperatura agradável no começo, caiu.
Passamos pelo "corredor", um setor com risco de quedas de rochas e chegamos ao colo depois de umas duas horas de subida. Amir, pela primeira vez em altitude, já sentia o doloroso prazer de escalar e disse o clássico: - Não pensei que ia ser tão difícil...
As passadas foram diminuindo e o tempo de parada aumentando enquanto ganhávamos altitude.



Amanheceu estávamos perto, o guia confirmava dizendo: faltam 45 minutos, 15...

Às 7 horas da manhã chegamos ao cume. O céu estava limpo mas o vento congelava o pensamento. Avistávamos ao longe outros vulcões, o Cotopaxi, Sangay, Tungurahua entre outros e à nossa frente o outro cume do Chimborazo. Amir me surpreendeu perguntando se íamos lá. Cheguei a pensar, mas era melhor que não. A subida é sempre metade da escalada.



Amir voltou literalmente se arrastando.
Intercalava entre remar a neve deslizando sentado, dar alguns passos e engatinhar.



Voltamos mais uma vez não tão sãos, porém salvos e contentes.



23 de outubro de 2010

Equador Sul - Loja, Vilcabamba e Cuenca

Prorrogado oficialmente o ano sabático em um novo país: o Equador.
Terra de vulcões, Galápagos e Rafael Correa, pelo menos por enquanto. A substituição do sucre pelo dólar americano como moeda oficial em 1998 trouxe uma certa estabilização econômica ao país. Vale o aviso: poucos lugares aceitam notas de 100 dólares e às vezes até notas de 50. Essas notas só podem ser trocadas no Banco Central em Quito e em alguns bancos em outras cidades.


Flor de cacto

Atravessei a fronteira Peru-Equador por Marcará, mais tranquila que a conturbada fronteira de Huaquillas. A primeira parada foi na cidade de Loja, uma das cidades mais antigas do Equador. O centro mantém o estilo colonial, as igrejas datam do século XVI, mas foram remodeladas após serem destruídas por terremotos.


Calle Bolivar de Loja

Vilcabamba é um povoado que fica a um pouco mais de uma hora de Loja. Hoje, turistas estrangeiros buscam a mesma tranquilidade que os equatorianos aproveitam tanto quanto a realeza Inca o fazia no passado. A região é conhecida como "Vale da Longevidade", fama que pode ter origem na sua água, rica em minerais.


Vilcabamba, um povoado cercado pelas montanhas

O turismo oferece caminhadas, passeios a cavalo, cachoeiras, visitas a vilarejos, trutas... O povoado é uma das portas de entrada para o Parque Nacional de Podocarpus, mas a caminhada ao Cerro Mandango proporciona uma bela vista da cidade.


Cerro Mandango

Cuenca fica a quatro horas a norte de Loja pela estrada Pan-Americana. O centro da terceira maior cidade do Equador é Patrimônio Cultural da Humanidade da Unesco. Um passeio pelas ruas de Cuenca nos traz de volta ao ambiente colonial do passado.


As ruas coloniais de Cuenca

22 de outubro de 2010

A Costa Norte do Peru


O cachorro peruano sem pêlos e topete loiro - Patrimônio Cultural do Peru

O norte do Peru abriga sítios arqueológicos interessantes e belas praias.

A dez quilômetros de Trujillo, a Huaca del Sol y La Luna são ruínas da cultura Moche que emergiu na costa norte do Peru entre os anos 100 D.C. a 800 D.C..
A Huaca del Sol é a maior pirâmide da era Pré-Colombiana das Américas. Os arqueólogos estimam que foram utilizados cerca de 140 milhões de tijolos para a construção que possuía uma altura de 50 metros. Cada tijolo possui uma marca diferenciando a comunidade onde foi fabricado, foram encontradas mais de cem marcas diferentes.


A pirâmide de Huaca del Sol hoje com 41 metros de altura

A Huaca de la Luna têm três plataformas que estão conectadas com quatro salões principais. As paredes estão decoradas com desenhos com as cores preta, vermelha, azul, branco e amarelo. Eram locais de rituais de sacrifício humanos cerimônias de enterro da elite.


Muros decorados de Huaca de la Luna

Passando para a cultura Chimú (850 D.C. a 1470 D.C.) ainda em Trujillo, a Huaca del Dragón é mais conhecida por Huaca del Arco Iris por suas paredes estarem adornadas com figuras em alto-relevo de serpentes sob um arco-íris, símbolo da fertilidade e das chuvas. Ao redor da plataforma principal existem 14 depósitos onde foram encontrados evidências de oferendas e esculturas de madeira.


As serpentes sob o arco-íris

Chan Chan foi a maior cidade da era Pré-Colombiana, capital do reino Chimor. Estima-se que a cidade possuía cerca de 30.000 habitantes e se estende por uma área de 20 quilômetros quadrados.


Muros de Chan Chan

Hunchaco fica a meia hora de Trujillo, uma cidade tranquila na costa do Peru. Possui uma praia boa para surf, porém com uma corrente ainda fria, nem tanto para se banhar nesta época do ano. Os pescadores ainda utilizam os tradicionais "caballitos de totora", pequenas embarcações feitas de junco que os turistas podem experimentar em um passeio pelo mar. O ideal é se alojar em Huanchaco para conhecer as ruínas de Trujillo. Foi o lugar perfeito para descansar depois de tanta escalada e caminhada.


Caballitos de totora em Huanchaco

Em Chiclayo, se encontra uma das maiores descobertas dos últimos trinta anos: o Senhor de Sipán. Talvez porque suas tumbas foram encontradas intactas com todas suas jóias e oferendas sem os normais saqueios das ruínas peruanas. Fez parte da cultura Moche e data do ano 100 D.C. Como os egípcios, acreditavam que a vida continuava após a morte, ele foi encontrado com mais de 400 jóias entre eles o peitoral, colares, brincos, capacete e braceletes feitos de ouro, prata, cobre e pedras semipreciosas. Com um supremo poder e estatura estimada em 1,67m (considerada alta para os padrões da época), foi enterrado com suas esposas, uma criança, o comandante militar, um vigia e até lhamas e um cachorro.


Réplica do Señor de Sipan no museo Tumbas Reales

Mancora têm praias, finalmente, com águas temperadas. Com uma mistura da corrente fria Humboldt vinda do sul e a corrente quente Niño, a temperatura da água fica em torno dos 24 graus Celsius, suficiente para transformar esse povoado às margens da rodovia Panamericana em um centro turístico com hotéis, restaurantes, feirinhas de artesanato e aulas de surf.


Pôr do sol em Mancora

O cachorro peruano sem pêlos e quase sempre banguela é considerado patrimônio nacional. Há evidências da existência da raça desde tempos antigos, é retratado em cerâmicas da cultura
Chavín (800 a.C.), Moche(600 d.C.), Wari (700 d.C.), Vicús (300 d.C.), Chimú (1100 d.C.), Chancay (1100 d.C.) e Inca (1450 d.C.).

Fontes e para saber mais:

www.huacas.com
www.wikipedia.org
www.sipan.perucultural.org.pe

20 de outubro de 2010

O Circuito Alternativo da Cordilheira Huayhuash



A caminhada ao redor da Cordilheira Huayhuash é conhecida por ser uma das mais deslumbrantes do mundo. O que presenciei só confirmou a fama desse trekking impressionante que possui pelo menos uma passagem acima dos 4500m por dia. Aliado a um grupo ousado e sintonizado, realizamos alguns caminhos alternativos proporcionando uma adrenalina extra a esta fascinante jornada.



Após minha tentativa frustrada de realizar o circuito alto por conta própria e quase dois meses escalando na Cordilheira Blanca, contratei uma agência para realizar o trekking. O grupo foi composto de dois espanhóis, Leire e Santi, dois irlandeses, Alan e Wayne, o guia-cozinheiro Toño e o arrieiro Severo.



Todos os caminhos alternativos indicados no mapa e mais alguns foram postos em prática. No final do primeiro dia de caminhada, depois de alguns contratempos e muita chuva de granizo, Toño, o guia cauteloso, chegou a declarar que deveríamos seguir pelo caminho normal nos próximos dias. No segundo dia, um outro grupo também seguiria pelo caminho alternativo. Sem argumentos, foi fácil seguir a não normalidade. No terceiro dia, ele entrou no espírito desbravador do grupo.



Mesmo quando não havia um caminho alternativo, "criamos" um. O desvio foi feito no intuito de não pagar a taxa de uma comunidade que cobra 35 soles pela passagem.



As comunidades por quais passamos cobram uma taxa, às vezes passamos por mais de uma por dia. A origem das taxas tem um histórico violento, no início dos anos 80, o grupo terrorista Sendeiro Luminoso utilizou as terras como base remota. Mesmo após sua derrota em 1992 ainda ocorriam roubos e até assassinatos na região. Em 2004 um roubo resultou na morte de um turista, as comunidades começaram a cobrar uma taxa de "proteção" para passar por suas propriedades e de fato algumas colocavam vigias nos acampamentos. Desde então, a região foi considerada segura.
Enquanto não há providências de força maior, fizemos valer nosso direito de ir e vir.



Por estar com transporte privado, acampamos o primeiro dia diretamente em Cuartelhuain. Começamos a caminhar somente no segundo dia. Logo após a primeira passagem Cacananpunta (4700m) nos desviamos à direita e descemos diretamente à lagoa Mitococha. Acompanhamos a beira da lagoa pelo lado esquerdo e subimos em direção ao fundo do vale. Alcançamos a passagem mas ficamos em dúvida, seguindo totens conseguimos atravessar um outro vale para descer em direção ao lago Carhuacocha. O acampamento tem uma bela vista dos picos Jirishanca, Yerupajá e já do Siula Grande.


Acampamento Carhuacocha: Siula, Yerupajá Grande e Chico e Jirishanca

No terceiro dia o caminho alternativo é mais conhecido e tivemos a companhia de um outro grupo. O caminho das "tres lagunas" Gangrajanca, Siulacocha e Quesillococha passa perto dos picos do Siula, Carnicero e Jurao. Acampamos na vila Huayhuash em um vale amplo e encantador.


Almoço com vista para as três lagoas

O desafio do quarto dia foi atravessar o Paso Trapecio (5010m) e alcançar a fascinante vista do Paso San Antonio. Depois de seguir mapa e totens à passagem Trapecio nos deparamos com duas opções. Toño dizia para descer, passar pela lagoa que avistávamos e depois ascender ao paso San Antonio novamente. Alan foi verificar alguma possível passagem por cima. Wayne foi atrás e os acompanhei montanha acima. Acabamos nos separando de Toño, Leire e Santi que seguiram por baixo. Alan encontrou uma ponte de terra no meio do glaciar e pudemos passar sem dificuldades. Começou a nevar. A terra sob os nossos pés formou um lodo que grudava nas botas e deixou nossas passadas mais pesadas. Cruzamos alguns trechos entre gelo e rochas até alcançar a crista para mais uma vista fantástica. Ouvimos uns berros e vimos três figuras em uma outra passagem ao longo da crista bem abaixo. Tínhamos subido muito além! Levamos um tempo para reunirmos o grupo novamente.



Cansados, descemos um vale interminável até encontrar Severo que nos esperava com o acampamento armado em Huanacpatay. Ouvimos de um espanhol que desapareceu nessa região, infelizmente alguns dias depois encontraram seu corpo. Ele havia caído de um abismo de 100 metros.

Dia seguinte, quinto dia de trilha, continuamos a descer o vale, mas antes de cruzar com o povoado de Huayllapa, Alan e eu subimos pela montanha para um desvio à cobrança do pedágio. A subida pelos pastos foi dura. Os degraus que víamos a distância se tornavam muros a nossa frente. A vegetação seca porém resistente dificultava nossa ascensão. Passados esses obstáculos encontramos uma vegetação rasteira e dessa vez moscas nos atazanavam. Algumas horas depois, nos reunimos com o pessoal no acampamento Huatiac.



No sexto dia o desvio ficou por conta de Wayne e Alan que chegaram mais próximo ao pico Diablo Mudo. Passamos pelo tranquilo Punta Tapush a 4800m e acampamos em Qashpapampa, um dia bem curto.

Na madrugada Leire e Santi atacaram o cume do Diablo Mudo com o guia Marco, enquanto eu, os irlandeses e Toño fomos complicar o caminho para a Jahuacocha por uma passagem alternativa a Punta Yaucha. Subimos mais à direita da passagem normal e tivemos uma vista fantástica da Cordilheira.


A Cordilheira Huayhuash desde Rondoy ao Diablo Mudo

A descida ao acampamento Jahuacocha foi tranquila. O acampamento fica às margens da lagoa com os picos Rondoy, Jirishanca e o grande Yerupajá ao fundo. De lá já conhecia o caminho de volta a Llamac, onde pegamos o ônibus para Huaraz.



Finalizamos o circuito em oito dias, com muitas fotos e histórias para contar que vão além do caminho normal. A Cordilheira Huayhuash proporciona amplas vistas, lagoas ofuscantes, magníficas escaladas em gelo e um contato com a vida rural andina do Peru.


A comunidade Huayhuash