Resoluta em conhecer os Lençóis Maranhenses encontrei a oportunidade no feriado de Tiradentes aliado as milhas que estavam "sobrando" da minha mãe. Convidei minha irmã Celina a participar da aventura e ela topou. Mal sabia em que estava se metendo...
Apreensiva com a responsabilidade da navegação, juntei informações do pessoal que havia feito a travessia: Roberto, Paula, Luiz, Cela, Jorge... cada um com uma versão dos Lençóis, uma para cada época do ano, o que é unicamente comum em todas elas é a beleza indescritível do lugar. Abril faz parte da época de chuvas, e para agravar, o Maranhão não parava de sair nos noticiários mostrando suas cidades inundadas, submersas pela água.
Chegamos em São Luiz pela madrugada, dormimos em um hotelzinho entre o aeroporto e a rodoviária ambos longe do centro da cidade. O muquifinho saiu R$63 para nós duas com café da manhã sem chuveiro quente, o que parece ser normal na região que faz calor o ano inteiro. A passagem de ônibus para Barreirinhas custa R$28 com saídas às 6:00h, 8:45h e 14:00h. São 4 horas de viagem com as várias paradas no caminho. Em Barreirinhas já na descida do ônibus fomos recepcionadas por várias ofertas de hospedagem, vantagem de temporada baixa, conseguimos uma pousada por R$50 (2p) bem agradável: a Pousada Vitória dos Lopes. O resto do dia serviu para almoçar, procurar uma agência para levar às lagoas e jantar. O engraçado era escutar um "arigato" aqui e lá e receber várias ofertas de guia para a travessia. Uma japonesa já é difícil para aqueles lados, duas então é demais! Devo ter comentado com alguma pessoa que iria fazer a travessia, e no final da tarde parecia que a cidade inteira já sabia. Acertamos o passeio para a Lagoa do Peixe por R$35 cada uma (normalmente R$50).
Na manhã seguinte, o céu estava nublado e logo começou a chover. A Toyota nos pegou às 9:20h e seguimos com outros turistas no carro. São várias estradas de areia e vários alagados o que acabou tornando o passeio mais emocionante. Nem imaginávamos que aquilo não era nada para aquelas Toyotas guerreiras, e depois descobrimos o porquê dos seus respiradores na altura do teto da cabine. Depois de 1 hora de viagem e algumas gravetadas no braço de Celina dos galhos que teimavam em crescer no caminho chegamos ao fim. Havia algumas barraquinhas de artesanato, um pequeno lago, um morro de areia e uma corda. Descobrimos que estávamos em Lagoa Bonita, um ponto mais distante do que a Lagoa do Peixe! Subimos o morro de areia com o auxílio da corda e deparamos com a paisagem estonteante: dunas e dunas e várias lagoas azuis entre elas. Após praguejar um pouco por conta do erro de logística, deixamos os turistas que nos desejaram uma boa sorte. Começamos a caminhar 11:00h, o sol começou a dar as caras. A areia estava dura por conta das chuvas e assim, nesse momento era melhor caminhar de papete. Celina se adaptava entre a papete e a botinha de neoprene com solado de borracha. Acabou caminhando com os dois. Um dentro do outro.

A temperatura é quente, mesmo nublado faz calor, só ameniza quando bate um vento. Quando bate o sol... é um calor dos infernos. Com a areia molhada o vento não consegue levantar a areia, não castiga nossas pernas como havia lido em relatos de época seca. Começamos a nos acostumar a estudar o caminho a seguir, mas sempre havia uma emoção de não saber se o caminho continuava ou terminava em uma lagoa. As lagoas estavam cheias, muitas não dão pé. Paramos para o almoço e finalmente meu primeiro tchibum na água. Que paraíso! A amplitude do lugar... a transparência da água... só com dunas nos rodeando... Por algum tempo conseguimos contornar as lagoas, mas chegou o momento de ter que atravessar uma delas. Escolhemos um local que havia acabado de conectar uma lagoa a outra, visivelmente mais raso. Como as aparências enganam, foi aí que conhecemos a famosa areia movediça. O fundo parece raso, mas quando pisamos, o pé afunda até encontrar o fu
ndo real, se encontrar. Nessa primeira travessia felizmente era raso, afundando até quas
e os joelhos. Em outra não fomos tão felizes assim, especialmente para Celina que foi em direção a um suposto banco de areia e afundou as pernas até as coxas, assustada, até gritou por socorro. Esse episódio acabou traumatizando-a e cada vez que tínhamos que atravessar algum trecho alagado ela me olhava com uma mistura de medo/inconformação/preocupação e esperava eu testar a profundidade antes de colocar o pé na água.
Olhávamos para trás e víamos a mata se afastando cada vez mais. Quando o vestígio verde de trás desapareceu, passamos um tempo só rodeadas pelas dunas. No final da tarde conhecemos os insetos asquerosos brancos, uma mistura de lacraia com escorpião saindo de buracos na areia. Um pouco depois avistamos um trecho de mato no horizonte a frente e gritei:
- Baixa Grande!
Apesar de me orientar pelo GPS, sempre batia uma dúvida e confirmava a direção norte/noroeste com a sombra que o bastão fazia quando o pendurava na vertical. Já vacinada com informações não fiquei empolgada, pois sabia que ainda iria demorar, ao contrário de Celina que já sonhava com uma rede pra dormir aquela noite. Algumas horas depois, o matinho do horizonte continuava longe, foi quando ela comentou:
- Tá bom, já não estou tão empolgada assim pra dormir em uma rede...
Assim paramos e armei a barraca entre duas lagoas, uma azul e a outra com vegetação rasteira. Jantamos antes do sol se pôr, Celina entrou na barraca com medo das lacraias aparecerem e já com dores nas panturrilhas roxas e calcanhares vermelhos. Tirei algumas fotos com direto a pôr do sol nas dunas e a arco íris, a chuva estava se aproximando. Foi começar a escurecer, os primeiros pingos começaram a cair. Choveu a noite inteira com poucos períodos de trégua até o amanhecer.

O sol apareceu, acordamos e minha irmã reclamou do calor e que eu era espaçosa. Pudera, nós duas na minha pequena barraca, com as mochilas dentro e o calor do Maranhão... Depois do café da manhã dei o meu mergulho matinal, desmontei a barraca e às 7:00h já começamos a caminhar. Mesmo cedo, já estava muito quente. A areia começou a arranhar o meu pé de papete, continuei descalça. Às 10:00h alcançamos a mata verde de Baixa Grande onde passamos do lado esquerdo nos mantendo nas dunas. Parece que avistamos no meio da mata o que parecia ser um telhado de uma casa, mas não era nosso destino. Concentramo-nos agora na direção de Queimada dos Britos. Apareceram mais alguns arbustos espalhados na linha do horizonte, continuei me orientando pelo GPS. Algumas dunas depois, pausa para descanso e mais tchibuns, nisso duas chuvas passaram por nós, uma a frente e outra depois ao fundo. Parece que estávamos em paz, pelo menos com São Pedro.
Ás 14:00h nos deparamos com uma faixa de alagado maior e estava com uma certa correnteza. Algumas lagoas formam uma correnteza dando voltas entre si, mas essa parecia mesmo ter um sentido. Teríamos chegado ao Rio Negro? Pelo GPS o ponto que Cela e Luiz atravessaram distava no mínimo 3 km adiante. Como a faixa parecia não ter fim, convenci Celina de atravessar que se sentiu mais segura quando vimos um porco fugindo da gente fazendo a travessia:
- Olha lá, se o porco atravessa a gente também consegue!
Mais tarde soube, de acordo com Eduardo, que os porcos flutuam na água. Fui me guiando onde havia "ondinhas", significando ser mais raso, a água bate no fundo e empurra a água para cima. Depois de "charfundar " um pouco conseguimos atravessar a larga faixa, subimos a duna e lá em cima a surpresa: um emaranhado de alagados por todos os lados. Sentamos um pouco para descansar e decidir que rumo tomar quando surgiram duas pessoas caminhando em nossa direção. Eram Eduardo e Jade, saíram da casa da mãe dela fazia 1 hora em Queimada dos Britos e seguiam para Betânia. Falaram que passaram pelo Rio Negro com água pela cintura e que de lá havia uma estrada pois uma Toyota iria buscar algumas pessoas. Eu com receio da travessia do rio e Celina movida com a possibilidade de resgate da casa resolvemos seguir o caminho deles seguindo suas pegadas. Despedimo-nos e fomos entrando mata a dentro atravessando vários riachos. Deparamos com uma grande lagoa, logicamente as pegadas desapareceram. Com as mochilas na cabeça seguimos. Celina apontou um pedaço de areia a frente, mas quando a água chegou na minha boca fui para um outro pedaço de areia mais perto. Tentamos seguir por alguns caminhos deixados por pegadas de animais, mas só ganhamos arranhões e galhadas daquele mato e árvores baixas de troncos retorcidos. Em um momento conseguimos subir e avistar uma fumacinha que saía do meio da mata, mas era impossível chegar lá sem uma trilha! Resolvemos voltar

tudo assim poderia passar por fora daquela mata toda, quando atravessamos o lago novamente encontramos com Eduardo. Ele havia deixado Jade ao encontro de seu marido e regressava para Queimada. Seguimos com ele pelo "caminho" beirando várias lagoas e pensamos juntas: ia ser impossível achar esse caminho! Em uns 20 minutos nos deparamos com uma casa, galinhas, porcos, cachorros, Dona Joana, seu Raimundo, filhos e netos. Instalamo-nos em um dormitório rede, a noite caiu e proseamos um pouco matando algumas curiosidades. Lá tinha sido filmado a Casa de Areia, ela mostrou a foto tirada com Fernanda Montenegro, Fernanda Torres, Andrucha e toda equipe de filmagem. Contaram que reconhecem seus cabritos pelas marcas feitas na orelha e que as dunas andam cerca de 30 metros por ano. Aquela era a segunda casa deles. Sem condições de continuar caminhando, Celina não sossegou enquanto Joana não conseguisse acertar com alguma Toyota de buscá-la no dia seguinte. Choveu a noite inteira novamente. Dessa vez, pela manhã a chuva não cessou.

A Toyota chegou na casa de Joana antes de tomarmos o café da manhã e o motorista Carnaval queria sair logo pois já estava assustado com a quantidade de água que pegou na ida. Cheguei a pensar em continuar a jornada a pé, mas com um tempinho daqueles e sem prospecção de melhora, resolvi acompanhar minha irmã no veículo. Para sair de Queimada dos Britos a Toyota teve que atravessar várias lagoas assustadoramente. Passamos por Queimada dos Paulos e logo saímos nas dunas novamente. Apreciamos a volta, dessa vez a passeio. Um pouco mais de uma hora chegávamos a Santo Amaro do Maranhão.
Conseguimos as últimas passagens para São Luiz, a Toyota sai 11:30h e leva até a BR para pegar o ônibus oficial. Almoçamos uns pitus enormes com o guaraná rosa Jesus, depois, atravessamos um rio de canoa para pegar a Toyota que nos esperava na outra margem. Parecia ser impossível, mas falaram que em época seca essa travessia é feita com o carro. Esse último trecho de carro foi o mais emocionante. Atravessamos várias lagoas, algumas a água chegou a invadir a plataforma dos bancos! Torcíamos para que o veículo não ficasse atolado no meio da travessia. Mais de duas horas de aventura off road chegamos na BR, aguardamos o ônibus oficial surgir e nos levar para São Luiz finalmente.
Os Lençóis Maranhenses é um fenômeno da natureza, uma rara formação geológica de beleza ímpar. Fui embora com aquele paraíso na terra na memória. Celina teve sequelas, físicas e psicológicas. Suas pernas levaram dias para desinchar e perguntava:
- Por que vocês fazem isso hein?
;c)
Os pontos de GPS e o trajeto realizado se encontram no seguinte endereço:
http://www.wikiloc.com/wikiloc/view.do?id=367450